Menino trabalhador
Nilze Costa e SilvaMenino que lava carro pelas ruas da cidade
Eu te contemplo nesta tarde que se adensa
E sinto uma enorme vontade de conversar contigo
- mas nem tenho o que dizer -
Estás tão ocupado, ensimesmado em teu trabalho,que nem me darias atenção.
Observo o movimento de tuas mãozinhase resolvo conversar contigo de longe.
Olha, menino, olha o céu.
O céu amanta a cidade com nuvens que anunciam a noite
As estrelas mal despontam, pálidas...é noite de Natal, não lembra?
Ou não te deixam lembrar?
Passa uma última vez a flanela molhada nessa tua alma criança
Lava as chagas do corpo que a vida te pôs
Limpa a tez escura e suja de tua existência
Fecha a torneira aberta, a te respingar, intermitenteEnxuga a lágrima que cai, quando o rosto teimoso se voltaem direção aos meninos felizes,contemplados com os brindes de Papai Noel...
É que este não te viu!
Vives tão escondido atrás dos carros
Limpando, limpando, como queres que ele te veja?
Recolhe-te nos trapos da noite e mesmo cansado - sonha!
Menino, ouve:È Papai Noel quem te bate à porta...
O Noel, não o pai que te deixou ao relento
Pequeno grande arrimo da vida que sustentas nas mãosÉ aquele velhinho bom que não te repara as vestes rasgadas
Nem teu cabelo enlinhado e sujo.
Não é o pai que te despiu um mundo mal feito de começar como adulto
Mas aquele que te afagará, te beijará e te levará aos parques de diversãopara que te enchas de luzes
E deixará que teu olhar vaguei pelas ruas enfeitadas
E gravará em teu rosto a fotografia do êxtase, do contentamento infinito
E deixará ainda que escolhas o mais bonito dos carrinhos
Dos bate-e-voltas, dos ursinhos de pelúcia, dos robôs que se auto-iluminamcomo a pestanejarem para a tua sorridente alegria
Anda menino, é hora.
Vai dormir, que sonhar é o que te resta.
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